Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá
andar aguas coragemA Coragem estava fugindo, perseguida
pelo Medo. Buscou refúgio para passar a noite. Bateu à porta da Covardia, porém
ela não a abriu, com a desculpa de que não a conhecia. Bateu à porta da
Mentira, mas esta mandou dizer que não estava em casa e não a abriu. Enfim,
bateu à porta da Preguiça. Ela também não a abriu, porque, respondeu, já estava
deitada. Então a Coragem tomou coragem, mesmo, e foi bater à porta da Vontade.
Esta abriu-lhe a porta e a convidou a entrar. De manhã cedo, quando a Coragem e
a Vontade saíram juntas, o Medo, vendo as duas unidas, desapareceu.
Esta parábola nos ajuda a perceber como podem funcionar
as nossas decisões quando são tomadas numa situação de medo, de incerteza e de
dúvida. Lembramos, também, que muitas vezes o medo é enganador e se disfarça de
prudência, de bom senso, de espera. São muitas as desculpas que inventamos para
não admitir a nós mesmos que estamos com medo. É compreensível. Certas decisões
são proteladas e nunca chegamos a uma conclusão. Outras devem ser mais
estudadas, pensadas, e assim por diante.
Coragem não é para todos, mas poderia sê-lo quando se
junta com a determinação, o empenho e a boa vontade de conseguir o que
queremos. Penso, neste momento, em tantas pessoas que se esforçam para melhorar
as condições de vida das suas famílias, tantos pais que lutam para dar uma casa
e melhores condições de vida aos seus filhos, tantos jovens que pagam, com o
seu próprio trabalho, os seus estudos e conseguem alcançar uma formatura. Tudo
isso pode ser motivado também pela ambição, sem dúvida, mas reconheçamos que
admiramos as pessoas que perseveram com coragem, paciência e confiança, até
alcançar os seus objetivos.
Mais coragem, ainda, precisamos quando o objetivo não é
totalmente nosso e, talvez, nós, no final, não tenhamos nenhuma vantagem ou até
prejuízo cumprindo aquele gesto ou aquela ação. Quero falar daquelas pessoas
que assumem corajosamente os sofrimentos dos outros, lutam para o bem dos
irmãos, às vezes conhecidos, às vezes não. Por isso, admiramos, mais ainda,
aqueles e aquelas que se esforçam, e, às vezes, se sacrificam mesmo, para
salvar a vida de outros. Diante de tanta coragem, sentimo-nos orgulhosos por
fazer parte desta humanidade, hora cruel, insensível e egoísta, mas, em outra
hora, destemida, altruísta, capaz ainda de gestos heróicos.
Jesus também nos quer corajosos. Não porque conseguimos
caminhar por cima das águas ou fazemos algo de maravilhoso e inesperado, mas
simplesmente porque o que parece impossível, confiando nEle, acontece, e
podemos vencer os medos da nossa condição humana. Ter medo, não é vergonhoso em
si, é simplesmente humano. Tudo o que não conhecemos, o imprevisível, ou o que,
imaginamos, nos trará sofrimento, críticas ou dificuldades, nos dá medo.
O que não podemos ter é medo de Deus ou ter medo de
segurar na mão dEle e nos deixar guiar por novos caminhos. A fé começa a vencer
o medo, quando temos a humildade e, ao mesmo tempo, a força de pedir como
Pedro: “Senhor, salva-me!”. A fé nos pede para arriscar na palavra de outros,
confiando no testemunho, na perseverança e coragem deles. É a fé da Igreja, da
comunidade que segue Jesus. Não estamos sozinhos nesta caminhada.
No entanto, nada e ninguém pode substituir a nossa
decisão de crer e de deixar as seguranças do comodismo – o barco, na página do
Evangelho – para confiar mais e pessoalmente no Senhor Jesus. Com efeito, a fé
tem sempre algo de novo para cada um de nós. Algo que pede coragem, mesmo. Pode
ser uma resposta vocacional mais radical, a saída de uma situação errada, a
disposição de assumir, também, novas responsabilidades na família, na
sociedade, na Igreja.
A fé verdadeira nos incomoda, deixa-nos inquietos até
tomarmos uma decisão mais firme e corajosa. Decisão que, com certeza, é sempre
também um dom do próprio Jesus que não nos quer discípulos covardes e
acomodados, mas cristãos corajosos, capazes de abrir novos caminhos. Essa é a
Igreja missionária, tão sonhada pelo Papa Francisco, uma Igreja “em saída”,
ferida e enlameada, mas viva. Sem medo de evangelizar.
Fonte e imagem: Shalom