segunda-feira, 7 de julho de 2014

O trigo do rabino



Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá (AP)

Quando percebiam a presença do rabino Eleazar, o homem de Birta, os coletores de esmolas se escondiam porque ele lhes dera tudo o que possuía. Um dia, o rabino foi à feira comprar um dote
para a sua filha. Os coletores de esmolas o perceberam e se esconderam. Mas ele se pôs a correr atrás deles:

- Eu vos conjuro, de que boa obra vos ocupais?

- De um órfão e de uma órfã...

- Pelo culto do templo! – respondeu ele. - Que passem na frente da minha filha!

Ele pegou tudo o que levava e lhes deu. Ficou com uma única moeda. Comprou trigo, foi ao alto do celeiro e o atirou.

– Que te trouxe o teu pai? – perguntou sua mulher à filha.

– Tudo o que tinha atirou no celeiro.

A mulher foi abrir a porta do celeiro. Ela viu que ele estava cheio de trigo, a ponto de escaparem grãos pelas frestas da porta, que nem se abria, tanto era o trigo... A filha foi à sala de estudos, onde o pai lia o Talmude, e lhe disse: Vem ver o que fez por ti Aquele que te ama!

Ele lhe disse: Pelo culto do Templo! Esse trigo será sagrado para ti. Só usarás dele uma parte igual a cada pobre de Israel...

Uma história de grande generosidade premiada, mais ainda, pela graça de Deus. Todos poderíamos contar algum caso semelhante. Existem situações nas quais as pessoas conseguem doar algo sem medir as consequências, simplesmente por se sentirem tocadas pelas necessidades do outro. Em geral, as campanhas promovidas para socorrer pessoas, famílias e, às vezes, países inteiros, marcados por calamidades, conseguem bons resultados. Quando quer, o coração humano consegue se colocar, ao menos por alguns momentos, na situação sofrida do irmão e decide ajudar. No entanto, tenho certeza, saberíamos lembrar também muitos exemplos contrários.

Quantas vezes tomamos conhecimento de casos dolorosos e, imediatamente, encontramos o responsável pela desgraça. Tudo para lavar as nossas mãos. Os noticiários estão recheados de desastres, chacinas, acidentes, ações terroristas. Os estudiosos da mídia dizem que as cenas de violência, verdadeiras ou reconstruídas nos filmes e seriados, são tantas, que acabamos não só misturando realidade e ficção, mas também nos acostumando. Respiramos violência, sofrimento e morte. Ficamos insensíveis e assim, logo, apagamos tudo da nossa memória. Verdade e mentira.

Preocupados com a educação das crianças, alguns países chegaram a proibir a venda de armas de brinquedo. Outros procuram controlar o uso de armas e a sua venda, organizam campanhas para o desarmamento da população. São todas ações louváveis se acompanhadas por uma educação à paz e à convivência pacífica. Somente se tivermos bons sentimentos saberemos respeitar a vida e os direitos dos outros. Com efeito, se cultivamos ódio no coração, qualquer objeto pode se transformar numa arma para machucar, ferir e até matar o irmão. Em geral, desde criança, aprendemos a nos defender dos outros. Depois crescemos, mas dificilmente desaprendemos aquilo que se ensina até no jogo de futebol: que a melhor defesa é o ataque! Só que a vida não é um jogo.

No evangelho deste domingo, Jesus nos pede para mudar a nossa maneira de pensar e de agir. Segundo o nosso bom senso, o bem feito a quem nos prejudica é um inútil excesso de bondade que nos faz parecer medrosos e bajuladores. O amor aos inimigos é um absurdo ou algo de simplesmente impossível. Inimigo é para ser derrotado e humilhado. Ter “sangue de barata” é uma vergonha. E assim poderíamos continuar.

Talvez, graças a Deus, não passamos a nossa vida brigando com todo o mundo, mas ajudar, fazer o bem, também acaba perdendo sentido para nós. Não é por nada que os últimos papas nos alertam sobre a “globalização da indiferença” e nos convidam a trabalhar para a “globalização da solidariedade”. Talvez não tenhamos tantos inimigos para odiar, mas também temos pouquíssimos amigos para amar. Menos ainda queremos ter irmãos para ajudar.

O amor ao próximo não pode ser reservado a casos extraordinários, deveria ser o jeito “ordinário” da nossa vida de cristãos. Só assim o celeiro do nosso amor ficará sempre transbordante. Como o do rabino.


Fonte: Portal Ecclesia

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