segunda-feira, 2 de junho de 2014

Tentações dos agentes pastorais

Pe. Almir Magalhães, Diretor Geral e Professor da Faculdade Católica de Fortaleza

O título desta reflexão é retirado da segunda parte do Capítulo II da Exortação Apostólica A alegria do evangelho, do Papa Francisco (Na crise do compromisso comunitário). Admito que muitos agentes já tiveram acesso a esta Exortação, mas considero que uma grande maioria ainda não teve acesso e, desta forma, socializo algumas questões relevantes desta parte e que têm incidência na vida dos agentes de pastoral. Uma avaliação é incontestável: o Papa sempre desconcerta.

Logo no início, o Papa afirma sua gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja, e que a nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor e agradece o belo exemplo que dão tantos cristãos que oferecem sua vida e o seu tempo com alegria (cf.n 76).

Em seguida, convoca a uma espiritualidade missionária, chamando a atenção para algo que particularmente considero uma pérola em termos de análise da situação atual, já que afirma que a vida espiritual de muitos agentes confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização (cf., n. 78). Saliento que já vi esta observação ser feita por outros pastoralistas; entretanto, quando parte de teólogos geralmente são avaliadas como tendenciosas e se fecham. Agora é o Papa Francisco quem faz a afirmação.
Uma tônica do Papa Francisco em seu diálogo com o mundo é o encontro com o outro, o que não faltou também nesta Exortação: “O ideal cristão convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo atual. Muitos tentam escapar dos outros se fechando na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho” (n.88). Ele trata deste assunto na mesma Exortação no Cap. IV. Relevante é como ele conclui este mesmo nº. 88.

“Porque, assim como alguns quiseram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais mediadas apenas por sofisticados aparatos, por écrans e sistemas que se podem acender e apagar à vontade. Entretanto, o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações... A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.”

Percebam que neste pequeno trecho, o Papa nos dá material para um retiro de, no mínimo sete dias, pois relembra uma heresia do séc. II – o docetismo, que nega a humanidade de Cristo, afirmando em outras palavras que hoje também falta nos cristãos as relações interpessoais, que são substituídas pela telinha, portanto sem cruz, sem encontro, na comodidade.

Estamos plugados e conectados quase que permanentemente, sem preocupação com o sofrimento dos outros. Analisem minuciosamente e comparem com a realidade, onde o Papa vai conferir autenticidade da fé! Ela se revela em quatro pontos: dom de si mesmo, pertença à comunidade, serviço e reconciliação com a carne dos outros.

Concluo esta reflexão, em primeiro lugar, dizendo que não estou somente me dirigindo aos outros, sou um agente de pastoral e vou me confrontando com toda a Exortação e o grande objetivo mesmo é convidar a todos os Agentes de Pastoral a não perder de vista estes 33 números e, aproximadamente, 13 páginas, de cunho eminentemente pastoral-espiritual.

Fonte: Jornal O Povo (Espiritualidade)

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